Biocyberdrama Saga, escrito por André Carneiro, é uma obra singular e provocativa dentro da ficção científica brasileira. Publicado em 2002, o livro é uma espécie de romance-manifesto, que mistura narrativa especulativa com ensaio filosófico, teatro imaginário e experimentação literária. Trata-se de uma leitura desafiadora, densa e fragmentada, que rompe com as convenções tradicionais da ficção e propõe uma experiência sensorial e intelectual incomum — quase uma performance textual.
A estrutura da obra é caótica por escolha estética. Carneiro fragmenta a linearidade da narrativa em blocos de cenas, reflexões, diálogos e imagens mentais que transitam entre o poético e o tecnológico, o onírico e o científico. O livro apresenta personagens que parecem atravessar tempos e identidades, em um enredo mutante onde a realidade é constantemente questionada. A figura central é um "ator universal" que incorpora múltiplas formas e vozes, numa metanarrativa que reflete sobre a própria natureza da arte, da consciência e da humanidade.
A fusão entre o biológico e o tecnológico — sugerida já no título — é um dos temas centrais da obra. Biocyberdrama Saga explora um mundo (ou vários) em que a inteligência artificial, a engenharia genética, as realidades simuladas e a fusão corpo-máquina redefinem os limites do humano. Mas, ao contrário de uma ficção científica voltada à ação ou à construção de um universo coeso, Carneiro usa esses elementos para levantar questionamentos existenciais, artísticos e filosóficos. A ciência aqui é meio, não fim — uma lente para ampliar os dilemas do espírito e da percepção.
O estilo de André Carneiro é marcado por uma prosa lírica, por vezes hermética, que flerta com o simbolismo e o surrealismo. Há passagens que remetem ao teatro, outras que lembram ensaios teóricos ou trechos de poesia em prosa. Essa multiplicidade formal pode desconcertar leitores acostumados a uma estrutura narrativa tradicional, mas é também o que torna o livro tão único. Ele convida o leitor a abdicar da lógica cartesiana para se entregar a uma experiência quase sensorial de linguagem, imagens e ideias.
Em termos de contexto, Biocyberdrama Saga reafirma André Carneiro como uma figura marginal e visionária dentro da literatura brasileira, um autor que ousou experimentar com a ficção científica de forma literária, filosófica e radicalmente pessoal. Sua obra não se encaixa facilmente em categorias — ela desafia tanto os limites do gênero quanto os da própria literatura.
Em síntese, Biocyberdrama Saga é uma leitura para quem busca mais do que entretenimento: é um mergulho em uma mente inquieta, que desafia o leitor a repensar os limites entre homem e máquina, entre arte e vida, entre o real e o virtual. É um livro-labirinto, uma obra de ruptura que, como os melhores dramas, provoca, desconcerta e permanece ecoando muito depois da última página.
