Boule de Suif", conto clássico de Guy de Maupassant, publicado em 1880, é uma obra-prima do realismo francês que alia crítica social, ironia mordaz e uma impressionante densidade psicológica em poucas páginas. A história se passa durante a guerra franco-prussiana e acompanha um grupo de passageiros de diferentes classes sociais que viaja de diligência pela Normandia ocupada. Entre eles está a personagem-título, Elisabeth Rousset — apelidada pejorativamente de Boule de Suif (literalmente "bola de sebo") — uma cortesã generosa e patriótica, que se torna o centro moral e emocional do conto.
A força de "Boule de Suif" reside na sua construção narrativa precisa e em sua crítica devastadora à hipocrisia burguesa. Maupassant apresenta personagens de várias camadas sociais — comerciantes, nobres, religiosos — e, ao colocá-los em uma situação de tensão diante da presença do inimigo prussiano, revela com agudeza suas verdadeiras motivações e valores. Enquanto os "respeitáveis" passageiros inicialmente desprezam Boule de Suif por sua profissão, logo se mostram dispostos a se aproveitar de sua coragem e sacrifício para escapar de uma situação embaraçosa, revelando um oportunismo cruel e disfarçado de moralismo.
A estrutura do conto é sutil e cruel: começa com uma certa leveza, quase cômica, para depois mergulhar num retrato amargo do egoísmo humano. Boule de Suif, com sua simplicidade, generosidade e senso de dever patriótico, acaba sendo a única personagem digna, e justamente a mais humilhada. Sua figura concentra o paradoxo central do conto: a virtude pode estar onde menos se espera, e o vício, nos que se consideram superiores.
A linguagem de Maupassant é enxuta, sem excessos, mas impregnada de ironia. Ele observa seus personagens com distanciamento quase clínico, mas deixa transparecer uma indignação ética profunda. O conto é também um comentário amargo sobre a guerra e suas consequências morais, mostrando como, em momentos de crise, os valores civilizatórios rapidamente cedem ao medo, ao interesse próprio e ao preconceito.
"Boule de Suif" é, portanto, muito mais do que uma narrativa de época: é um retrato ainda atual das contradições humanas, onde o heroísmo pode ser desprezado e o egoísmo mascarado de virtude. Com ela, Maupassant não apenas inaugura sua carreira literária com brilho, mas estabelece um modelo de conto realista que continua influente até hoje.