O DVD “Madame Bovary” (1991), dirigido por Claude Chabrol e estrelado por Isabelle Huppert, é uma adaptação austera, meticulosa e profundamente crítica do romance homônimo de Gustave Flaubert. Longe de romantizar a história de Emma Bovary, Chabrol a transforma em um estudo frio e implacável sobre os limites do desejo dentro de uma sociedade burguesa sufocante, onde as paixões são esmagadas pela hipocrisia e pela rotina.
A protagonista, vivida por Huppert com contenção e olhar permanente de tédio, é uma mulher aprisionada pelas convenções de sua época. Casada com o médico Charles Bovary, um homem simples e incapaz de compreender sua inquietação, Emma busca escape no luxo, nos amantes e em fantasias idealizadas, todas fadadas à frustração. Mas ao invés de exaltá-la como heroína trágica ou vítima romântica, o filme a retrata como uma figura contraditória: ao mesmo tempo ambiciosa e ingênua, determinada e frágil.
Chabrol opta por uma linguagem cinematográfica econômica, que dialoga com o realismo do texto de Flaubert. Não há excessos estilísticos nem melodrama; o que há é uma secura que aproxima o filme de um ensaio social. A direção é precisa e contida, enfatizando mais os gestos, os silêncios e os olhares do que os grandes rompantes emocionais. A frieza do tom narrativo funciona como contraponto à ebulição interna da protagonista — e isso exige do espectador atenção e paciência, mas oferece uma recompensa densa e inquietante.
Isabelle Huppert entrega uma Emma distante dos clichês de “mulher apaixonada”. Sua interpretação é fria, às vezes até antipática, mas profundamente coerente com a proposta do filme: Emma não é idealizada, é humana — impulsiva, vaidosa, frustrada. A atuação é cerebral, seca e, por isso mesmo, poderosa. O elenco de apoio também é eficaz, com destaque para Jean-François Balmer como o monótono Charles.
A ambientação é fiel à França do século XIX, com figurinos e cenários que ajudam a compor a rigidez do mundo ao redor da personagem. A fotografia é clássica, quase impessoal, evitando seduzir visualmente o espectador — o que reforça o tom de crítica moral e social da obra.
No DVD, a qualidade da imagem é sólida, com boa definição para uma produção dos anos 1990. A trilha sonora é discreta, usada com parcimônia. Em algumas edições, há bônus como trailers, entrevistas ou comentários do diretor, que ajudam a contextualizar a visão crítica de Chabrol sobre a obra literária e seu olhar corrosivo sobre a moral burguesa.
Em resumo, o “Madame Bovary” de Claude Chabrol é uma adaptação fiel em espírito, não no enfeite. É um filme que desmonta o mito romântico da protagonista e oferece, em seu lugar, um retrato incômodo da alienação, da frustração feminina e do peso das convenções sociais. Uma obra sóbria, inteligente e desafiadora — tão fiel a Flaubert quanto uma adaptação pode ser.