Michel Armengaud, em O Evangelho Segundo João – Compreendê-lo Tal Como Ele Foi Escrito no Século 1, propõe uma leitura ousada, rigorosa e profundamente contextualizada do quarto evangelho, buscando resgatar sua força original ao removê-lo das leituras anacrônicas e teológicas que o distanciaram de seu ambiente histórico. O autor adota uma abordagem histórico-crítica, ancorada nos estudos do judaísmo do Segundo Templo, para restituir ao texto joanino sua densidade e radicalidade como obra literária e religiosa enraizada no século I.
Armengaud sustenta que o Evangelho de João não deve ser interpretado sob o viés da dogmática cristã posterior, especialmente aquela influenciada pelos concílios e formulações trinitárias dos séculos subsequentes. Em vez disso, ele defende que o texto expressa uma tensão interna ao próprio judaísmo, emergindo num contexto de disputas entre judeus helenizados, grupos apocalípticos e os seguidores de Jesus. Nesse sentido, o evangelho seria, antes de tudo, uma voz judaica marginal, marcada por um profundo conflito com a sinagoga e por uma releitura subversiva da tradição hebraica.
Um dos méritos do livro está na reconstrução do contexto cultural, político e religioso do século I, com especial atenção ao papel da linguagem simbólica e do recurso à alegoria como estratégia de resistência e afirmação identitária. Armengaud investiga as metáforas da luz, da água, da palavra (Logos) e da vida eterna não como expressões teológicas abstratas, mas como dispositivos literários destinados a gerar um efeito de ruptura dentro da tradição religiosa vigente.
O autor também desconstrói a ideia de que o Evangelho de João seja “mais espiritual” ou “menos histórico” que os sinópticos. Para ele, João trabalha com outra lógica narrativa, mais tecida por debates internos e códigos simbólicos do que pela linearidade cronológica. Essa lógica está profundamente enraizada na oralidade e na cultura do Oriente Próximo antigo, e não deve ser lida com os filtros do pensamento grego ou da teologia escolástica.
Em resumo, O Evangelho Segundo João de Michel Armengaud é um convite ao leitor contemporâneo para reencontrar o texto joanino em sua estranheza original, sem os véus da tradição posterior. Ao propor uma leitura que devolve o evangelho ao seu chão histórico, o autor oferece uma chave de leitura crítica e instigante, que ilumina tanto o texto quanto as ideologias que dele se serviram. É uma obra que exige atenção, mas que recompensa com novas possibilidades de compreensão e com um renovado respeito pela complexidade do texto bíblico.