O Vaticano e Hitler: A condenação secreta, de Peter Godman, é uma obra investigativa e crítica que se debruça sobre a relação complexa, ambígua e frequentemente mal compreendida entre o Vaticano e o regime nazista. A partir de documentos secretos da Santa Sé — especialmente as atas da Congregação do Santo Ofício — o autor busca esclarecer o papel do papa Pio XII e de outros membros da hierarquia eclesiástica diante da ascensão de Hitler e dos horrores do Holocausto. Longe de uma narrativa simplista que reduz o Vaticano a conivente ou herói silencioso, o livro revela uma rede intrincada de pressões políticas, disputas internas e silêncios estratégicos.
Godman constrói sua argumentação com rigor histórico e fôlego documental, revelando como, entre os anos 1930 e 1940, setores importantes da Cúria Romana se mostraram preocupados com a ideologia racista do nazismo, a perseguição aos judeus e a tentativa de Hitler de cooptar a religião para fins totalitários. No entanto, o autor mostra que essas preocupações raramente se converteram em condenações públicas e incisivas — pelo contrário, o Vaticano manteve uma postura ambígua, com declarações vagas e diplomacia reservada, marcada por um medo profundo do comunismo e um desejo de proteger os católicos na Alemanha e em outras partes da Europa.
A figura de Pio XII, como em toda discussão sobre o tema, está no centro do livro. Godman o retrata como um pontífice que, embora ciente dos crimes do nazismo, preferiu atuar nos bastidores, optando pelo silêncio e pela negociação discreta. A “condenação secreta” a que o título alude refere-se justamente à crítica moral interna ao regime de Hitler, registrada em documentos confidenciais e reuniões a portas fechadas, mas que nunca se traduziu em uma condenação pública à altura da tragédia que se desenrolava na Europa.
Ao mesmo tempo, o autor não recorre ao sensacionalismo. Ele evita julgamentos apressados e, ao invés disso, busca compreender as motivações políticas e espirituais por trás das ações (e inações) do Vaticano. O resultado é um retrato nuançado, que incomoda tanto os que esperam uma defesa do papa quanto os que buscam apenas mais uma peça de acusação. O Vaticano e Hitler é um livro que convida à reflexão sobre os limites da diplomacia, a responsabilidade moral das instituições religiosas e o custo do silêncio em tempos de barbárie.