O primeiro volume das Obras Completas de William Agel de Mello, dedicado à ficção, revela um autor multifacetado, culto e profundamente interessado nos dilemas éticos, filosóficos e psicológicos da condição humana. Pouco conhecido do grande público, Agel de Mello construiu uma obra silenciosa, mas intensa, marcada por um rigor estilístico e uma profunda inquietação existencial. Este volume, publicado com o intuito de reunir e preservar sua produção literária, funciona não apenas como antologia, mas como introdução à mente de um pensador que utilizava a ficção como laboratório de ideias.
Os textos aqui reunidos — contos, novelas curtas e narrativas híbridas — exibem uma linguagem límpida, por vezes clássica, em contraste com os temas perturbadores que abordam. Há um forte diálogo com a tradição filosófica ocidental, especialmente com o existencialismo e o humanismo, mas filtrado por uma sensibilidade literária que evita o discurso doutrinário. Agel de Mello escreve como quem pensa com as palavras: cada frase parece ponderada, cada parágrafo empurra o leitor em direção a uma reflexão ética ou metafísica.
Entre os contos, destacam-se aqueles que confrontam o indivíduo com situações-limite — dilemas morais, perdas irreparáveis, confrontos entre razão e fé, ciência e mistério. O autor nunca se entrega ao cinismo ou à desesperança gratuita; há em sua prosa uma gravidade que, mesmo diante do trágico, ainda preserva uma espécie de confiança no diálogo, na cultura e no pensamento como caminhos para a lucidez.
Além dos temas universais, Agel de Mello também manifesta atenção ao contexto brasileiro, embora de forma discreta, quase subterrânea. Suas histórias não são crônicas do cotidiano ou retratos sociais diretos, mas nelas percebe-se a tensão entre o universal e o local, entre o pensamento europeu que o influenciou e a realidade brasileira que o circundava. Seu estilo, marcado por sobriedade, evita o rebuscamento e a ornamentação gratuita, mas nunca abre mão da elegância.
Ler este Volume 1 – Ficção é encontrar um autor que acredita no poder da literatura como ferramenta de pensamento. Ao mesmo tempo erudito e acessível, Agel de Mello exige um leitor atento, disposto a refletir, a acompanhar o desdobramento de ideias muitas vezes sutis, mas sempre rigorosas. Trata-se de uma obra que convida à releitura, e que pode ser apreciada tanto por seu valor literário quanto por sua densidade filosófica.
Seus contos não buscam impressionar pelo impacto narrativo ou pelo inusitado das tramas — sua força está na clareza moral, na seriedade do olhar e na inquietude intelectual que atravessa todos os textos. Esse primeiro volume estabelece William Agel de Mello como um nome que merece maior reconhecimento no campo da literatura brasileira contemporânea, especialmente por quem valoriza a prosa que pensa e desafia.